quarta-feira, 11 de outubro de 2006

Defenestração_

O Analista de Bagé e Comédias Para se Ler na Escola - Luís Fernando Veríssimo

Certas palavras têm o significado errado. Falácia, por exemplo, devia ser o nome de alguma coisa vagamente vegetal. As pessoas deveriam criar falácias em todas as suas variedades. A Falácia Amazônica. A misteriosa Falácia Negra.

Hermeneuta deveria ser o membro de uma seita de andarilhos herméticos. Onde eles chegassem, tudo se complicaria.
- Os hermeneutas estão chegando!
- Ih, agora é que ninguém vai entender mais nada...
Os hermeneutas ocupariam a cidade e paralisariam todas as atividades produtivas com seus enigmas e frases ambíguas. Ao se retirarem deixariam a população prostrada pela confusão. Levaria semanas até que as coisas recuperassem o seu sentido óbvio. Antes disso, tudo pareceria ter um sentido oculto.
- Alo...
- O que é que você quer dizer com isso?

Traquinagem devia ser uma peça mecânica.
- Vamos ter que trocar a traquinagem. E o vetor está gasto.

Plúmbeo devia ser um barulho que o corpo faz ao cair na água.

Mas nenhuma palavra me fascinava tanto quanto defenestração.
A princípio foi o fascínio da ignorância. Eu não sabia o seu significado, nunca lembrava de procurar no dicionário e imaginava coisas. Defenestrar devia ser um ato exótico praticado por poucas pessoas. Tinha até um certo tom lúbrico. Galanteadores de calçada deviam sussurrar no ouvido das mulheres:
- Defenestras?
A resposta seria um tapa na cara. Mas algumas... Ah, algumas defenestravam.
Também podia ser algo contra pragas e insetos. As pessoas talvez mandassem defenestrar a casa. Haveria, assim, defenestradores profissionais.
Ou quem sabe seria uma daquelas misteriosas palavras que encerravam os documentos formais? "Nestes termos, pede defenestração..." Era uma palavra cheia de implicações. Devo até tê-la usado uma ou outra vez, como em:
- Aquele é um defenestrado.
Dando a entender que era uma pessoa, assim, como dizer? Defenestrada. Mesmo errada, era a palavra exata.
Um dia, finalmente, procurei no dicionário. (...)

Defenestrar é o ato de atirar algo pela janela (fr. fenêtre).

No século XVII, um episódio ficou famoso na história mundial: a Defenestração de Praga (1619), tendo os nobres protestantes da Boémia invadido o castelo da capital e arremessando representantes do Governo Imperial pelas janelas. Sendo assim, para evitar atos semelhantes na atualidade, segundo Veríssimo, “… A basculante foi inventada para desencorajar a defenestração. Toda arquitetura moderna, com suas paredes externas de vidro reforçado e sem aberturas, pode ser uma reação inconsciente a esta volúpia humana, nunca totalmente dominada”. Veríssimo diz que Freud explica isso como impulsus defenestrex.

Defenestrar é um ato bem interessante, mas o eu queria mesmo era saber o nome que se dá ao ato de atirar alguém pela escada!! heheh
Defenestrar coisas é possível, mas com pessoas esse ato se torna um pouco mais complicado. Ainda mais levando em consideração que elas não vão ficar ali paradinhas esperando até que alguém(no caso eu) as defenestre.
Enquanto não acho a palavra, fica o anúncio:
“Srs alunos do 1° módulo, professores e qualquer indivíduo que esteja nas escadas da ETE Salles Gomes, favor tomar cuidado ao descer e subir as escadas do estabelecimento. É recomendado que não o faça sozinho ou na presença de desconhecidos com cara de psicopatas. Obrigada.”

End.

Postado às 19:00 |

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